Você nunca saberá quem é de verdade
Diz a sabedoria popular que quem se rotula se limita. É clichê, mas por trás de todo conhecimento assim difundido há lições preciosas a serem descortinadas, como, por exemplo, a percepção de que a necessidade de alcançar o autoconhecimento, apesar de tão badalada atualmente, decorre em parte da ânsia de nos sentirmos seguros, aquela mesma ânsia que nos leva a reprimir sentimentos que nos assustam e a não observar a nós mesmos. Há doutrinas, literatura e correntes filosóficas inteiras ensinando que é insuportável viver sem saber quem se é.
Nos estágios menos profundos do autoconhecimento, nossa autoimagem é ligada ao superficial e nos determinamos de acordo com nossa profissão, idade, aparência ou status familiar e social. Nos desesperamos com a perda daquilo que nos dá alicerce, que normalmente é muito frágil, como emprego, juventude, beleza ou condição de marido/esposa, pai ou filho.
Quando avançamos na compreensão de nós mesmos, começamos a nos definir não pela circunstâncias, mas por nossas condutas e nossos sentimentos. Reconhecemo-nos como majoritariamente generosos ou egoístas, pacifistas ou agressivos, conservadores ou aventureiros, sonhadores ou práticos e outras características mais afeitas à nossa personalidade. E aqui existe uma armadilha: nos engessarmos naquilo que descobrimos sobre nós mesmos.
Precisamos manter em mente que a busca pelo Eu verdadeiro é inglória, pois não existe uma identidade absoluta e perene. Somos instantes e somos vários. Ao buscarmos entender como reagimos às situações e a nos comportamos de acordo com essa compreensão, limitamos várias outras condutas que poderiam surgir. Ao nos sentirmos confortáveis dentro do Eu que julgamos conhecer, sufocamos emoções que não são compatíveis com esta autoimagem. Nossa mente fará de tudo para manter a ilusão de que sabemos quem somos.
Se, por exemplo, nos reconhecemos como pessoas desprendidas de bens materiais, podemos entrar em conflito diante de uma ambição repentina, inclusive abrindo mão de algo que realmente queremos para não trair a ideia de nós mesmos. Ao nos julgarmos maduros, não admitimos a infantilidade. Se nos autodeterminamos como fortes, não nos permitimos desistir. Ao nos definirmos como emocionalmente inteligentes, juntamos ao caos o nosso desapontamento por não conseguir resolver um conflito. Da mesma forma, podemos impedir o surgimento da força e da sabedoria quando nos colocamos confortavelmente no papel de frágeis ou inseguros, conformados sob o argumento de que estamos apenas reconhecendo traços do nosso Eu.
Costumamos acreditar no que queremos, ainda que não faça sentido. Não é incomum que pessoas talentosas e competentes se convençam de sua incapacidade de realizar seus sonhos, para não frustrar a autoimagem de dependência e vitimização. Também costumamos nos apegar à uma identidade que nos serviu no passado, como profissional, atleta, artista, ainda que não caiba mais a conjugação do verbo “ser” no presente.
O autoconceito muito rígido limita a nossa conduta, pois tentaremos nos assegurar de que todos nos verão da mesma forma que nós. Tomar consciência de que boa parte das nossas certezas e obrigações são uma ilusão retira o poder que elas exercem sobre nós, nos eximindo do dever de ser o que esperamos de nós mesmos.
A busca por se conhecer de verdade não deveria passar por determinar nossa personalidade, mas apenas em reconhecer e acolher sentimentos presentes. Do contrário, estaremos presos a histórias, idealizadas ou não, que justificam nossa conduta. Jamais nos permitiremos agir em contrário ao Eu ilusório, que pode até já ter existido, mas apenas por um instante.
É irreal, contudo, acreditar que algum dia poderemos abandonar todas as nossas autoimagens, que, afinal, nos servem de referências válidas. Uma proposta mais concreta é viver de forma mais honesta com o que sentimos e desejamos em um momento específico, não permitindo que uma personalidade forjada sufoque nossa espontaneidade. Só assim é possível sermos um pouco mais livres e menos reféns das histórias que criamos, pelo medo de um Eu desconhecido.
Luiza
CVV Belém/PA
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