‘Suicídio: a epidemia calada’

Data14/10/2016 CategoriaAngústia

O que fazer quando a dor parece insuportável? A psiquiatra Maria Cristina de Stefano escolheu escancarar as feridas e expor as emoções em uma verdadeira cruzada pela prevenção do suicídio. Em 2012, o filho mais velho dela, Felipe, de 34 anos, se matou após um longo processo de isolamento e autodestruição. O mais novo, Plínio, entrou em depressão e também tentou o suicídio. A devastação psíquica se sucedeu e ela resolveu não se calar diante do que chama de epidemia. “O luto do suicídio é extremamente doloroso e totalmente diferente. Ser médica não me protegeu de nada, pelo contrário. As pessoas inclusive fazem comentários do tipo casa de ferreiro espeto de pau”, conta.

A opção pela fala veio com a descoberta dos diários de Felipe. Maria Cristina encontrou os cinco cadernos manuscritos nos quais o rapaz relatava o drama vivido nos últimos meses e as telas onde extravasava a dor. O passo seguinte foi transformar o material em livro, na esperança de que outras pessoas pudessem ser ajudadas e compreendessem como funciona a mente de uma pessoa com ideação suicida. “Elaborando esse luto, decidi por compartilhá-lo com famílias que já passaram por isso e com os indivíduos em sofrimento, que possam ser ajudados”, explica, no epílogo de “Suicídio: a epidemia calada” (Editora Ofício das Palavras). Não se calar foi o caminho para tentar seguir em frente. “Morreu ele e eu também venho morrendo: a mãe, a pessoa, a convivente com ele”, desabafa.

 

Nas 208 páginas da publicação, lançada em 2014, é possível mergulhar no universo de isolamento e sofrimento que marcou os dois últimos anos de Felipe. Em uma das passagens, poucos meses antes de morrer, ele conta o incômodo com o que chama de “reducionismos psiquiátricos”. “Nenhum contato com a espécie humana felizmente. E continuarei minhas leituras com suco de laranja e vodka. Para amanhã não projeto nada de grandioso”.

Mas como tentar ajudar alguém com tamanho sofrimento enquanto há tempo? “A visão do suicida é em túnel. A pessoa só tem energia para uma coisa: livrar-se da dor psíquica. Quem está ao lado tem que dizer: olha, o túnel tem uma curva. Vamos devagar que não vou largar da sua mão”. Ela lembra que o filho escondia, sob um manto de autonomia e ironia, o que de fato se passava com ele. Inteligente, autodidata, apaixonado pelas artes, o funcionário público se distanciou de tudo e de todos e disfarçou a dor e a precária saúde mental. “Viveu o não ser, em uma cápsula. Seria pavoroso viver como os outros, medíocres, incompletos, defeituosos”.

Ela ainda chama atenção para a falta de preparo na rede pública em assistir as pessoas que tentam o suicídio e são socorridas. Mais que isso. Para o preconceito que muitas vezes existe com as pessoas que têm qualquer transtorno mental. “Se chega alguém enfartando no hospital, as pessoas jamais vão fazer comentários do tipo: tá vendo, comeu torresmo e agora vem aqui com essa pança gastar dinheiro da UTI. Mas com quem tenta o suicídio, logo dizem: quer chamar atenção, gastar dinheiro público a toa”. A médica alerta que a dor na alma, que muitas vezes leva ao suicídio, não se cura sozinha. “Não adianta. Não funciona assim. É preciso buscar ajuda”.

Leila
CVV – Brasília (DF)

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